PROSTITUIÇÃO SAGRADA
Historicamente, sexo e espiritualidade foram parceiros de cama complicados - enquanto algumas religiões da antigüidade incluíam a sexualidade em seus ritos, outras procuravam controlá-la, tanto pela supressão ou por severas limitações de sua expressão. A maioria das religiões dominantes no mundo hoje prega a sublimação das necessidades sexuais ou sua canalização para formas socialmente aceitáveis, como o casamento.
Na contra mão dessa tendência de limitar a alma à igreja e a carne à cama, a sexualidade sagrada é uma forma de espiritualidade que vê sexo como um meio de experimentar a comunhão com o divino. O sexo sagrado aproveita o poder da sexualidade com o objetivo de acelerar a transformação pessoal e intensificar o crescimento espiritual.
Várias tradições antigas incluíram a sexualidade em ritos religiosos. Por volta de 3.000 a.C., os Sumérios encenavam ritualmente o Casamento Sagrado - a união entre uma sacerdotisa de sua deusa Inanna e um sacerdote-príncipe, como um meio de obter favores da deusa para suas cidades. Na Grécia, esse tipo de sexo ritual teve continuidade e era chamado de hiero gamos, que consiste na tradicional reconstituição do casamento da deusa do amor e da fertilidade com seu amante, o jovem e viril deus da vegetação. Várias fontes antigas sugerem que este tipo de prática também deveria fazer parte dos Mistérios de Eleusis, dedicado à deusa Deméter. Há evidências de que este rito também fosse praticado pelos Egípcios no culto da Ísis e ele tenha permanecido até a era Romana.
Prostituição Sagrada
Na Antiguidade, em várias civilizações do Oriente Médio também era comum a prática da prostituição sagrada, pela qual os homens visitavam templos, onde tinham relações sexuais com o objetivo de comungar com uma deusa particular. Por esta concepção a prostituta sagrada encarnava a deusa, tornando-se responsável pela felicidade sexual, "a veia através da qual os rudes instintos animais são transformados em amor e na arte de fazer amor", explica Nancy Qualls-Corbett, autora do livro "A prostituta sagrada", da Editora Paulus.
Nesse período em que existia a prostituição sagrada, as culturas constituíram-se sobre um sistema matriarcal que, muito mais do que mulheres em cargos de autoridade, significava um foco em valores culturais diferentes.
"Onde o patriarcado estabelece lei, o matriarcado estabelece costume; onde o patriarcado estabelece o poder militar, o matriarcado estabelece autoridade religiosa; onde o patriarcado encoraja a aretheia (valor, virtude, coragem) do guerreiro individual, o matriarcado encoraja a coesão do coletivo, algo que tem a ver com a tradição". (William Thompson, The Time Falling Bodies Take to Light)
Em outras palavras, o que diferencia matriarcado de patriarcado não é fato de que o poder esta na mão da mulher ou do homem, e sim uma diferente atitude.
De acordo com Nancy Qualls-Corbet, em matriarcados antigos a natureza e a fertilidade consistiam no âmago da existência. Suas divindades comandavam o destino, proporcionando ou negando abundância à terra. Desejo e resposta sexual, vivenciados como poder regenerativo, eram reconhecidos como dádiva ou bênção do divino. A natureza sexual do homem e da mulher era inseparável de sua atitude religiosa. Em seus louvores de agradecimento, ou em suas súplicas, eles ofereciam o ato sexual à deusa, reverenciada pelo amor e pela paixão. Tratava-se de ato honroso e respeitoso, que agradava tanto ao divino quanto ao mortal. A prática da prostituição sagrada surgiu dentro desse sistema religioso matriarcal e, por conseguinte, não fez separação entre sexualidade e espiritualidade.
De acordo com Heródoto, historiador grego do século III a.C., era costume babilônico que toda a mulher virgem perdesse sua virgindade no templo do amor e tivesse relações sexuais com estranhos. Não importava a quantia de dinheiro, ela nunca recusaria, pois isso é que seria pecado. Segundo ele, as mulheres altas e belas logo ficavam livres para partir, mas as feias tinham que esperar muito tempo, podendo chegar a três ou quatro anos. Todo dinheiro e o ato em si eram dedicados à deusa, e portanto, considerados santos. Para a mulher, esse ato não representava a desonra, era motivo de orgulho. Em outras localidades, tal honra só era alcançada pelas mais nobres de estirpe. O ato sexual com estranhos consagrado à deusa era considerado purificador. Mais tarde, até as matronas romanas, da mais alta aristocracia, vinham ao templo de Juno Sospita para entrar no ato da prostituição sagrada quando era necessária uma revelação.
No Egito, as deusas Hátor e Bastet eram adoradas como deusas da fertilidade. Freqüentemente são representadas nuas, acompanhadas por um coro de mulheres dançantes. No tempo das grandes festas, as mulheres permaneciam a serviço da deidade. Tendo cumprido suas obrigações na noite do ritual, elas voltavam a suas casas para reassumirem sua vida diária.
Em Hierápolis, no Líbano, a moderna Baalbek, matrona, bem como virgens, prostituíam-se a serviço da deusa Atar. Em alguns casos, mulheres que não desejavam levar vida casta, nem casar, passavam a morar nos recintos do templo. Eram elas as Virgens Vestais. Elas serviam à deusa grega ou romana Héstia ou Vesta, como encarregadas do fogo das lareira. Tinham como propósito trazer o poder fertilizante da deusa para o contato efetivo com as vidas dos seres humanos.
Em outros casos, o caminho da mulher à prostituição sagrada realizava-se através da sujeição ao conquistador guerreiro. Ramsés III atesta esse fato nos relatos de inscrição de prisioneiros que fez na guerra da Síria. Os homens foram levados para um "depósito", e suas mulheres foram feitas súditas do templo.
Independentemente de virem ao templo do amor por determinação da lei, por dedicação ou por servidão, por sua origem real ou comum, por uma noite ou por toda a vida, sabemos que as prostitutas sagradas eram muito numerosas. De acordo com Estrabão, nos templos de Afrodite em Érix e Corinto havia mais de mil.
No código de Hamurabi, uma legislação especial salvaguardava os direitos e o bom nome da prostituta sagrada; era protegida contra difamações, assim como seus filhos, através da mesma lei que preservava a reputação da mulher casada. Elas também gozavam do direito de herdar propriedades do pai e receber renda da terra trabalhada por seus irmãos.
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