No Museu Egípcio de Berlim, na Alemanha, está em exposição uma peça das mais famosas já produzidas pelos artesãos da antiguidade: um busto de uma rainha egípcia, feito em calcário policromado. A sensualidade dos traços, a geometria das formas e o delicado ritmo do conjunto atribuem harmonia e graciosidade à escultura que é considerada sinônimo de beleza até os dias de hoje e que exerce fascínio em quem a observa. A personagem retratada na peça é Nefertiti, esposa do faraó Amenhotep IV/Akhenaton que governou o Egito entre 1353 e 1335 a.C, aproximadamente, e que foi uma das principais personagens de um período conturbado dentro da história egípcia.
A origem da rainha Nefertiti, ainda é controversa. Não há ainda comprovações sobre sua ascendência e a única certeza sobre algum parente da soberana refere-se a existência de sua irmã Mutnedjemet. Também é conhecido o nome de sua ama, Tiy, casada com um alto funcionário da corte chamado Ay, que posteriormente ao reinado de Tutankhamon tornou-se faraó por alguns anos. O egiptólogo Flinders Petrie, no final do século XIX, sustentava a hipótese de que Nefertiti era na verdade Tadukhepa, filha do rei Tushratta de Mitanni. Já Joyce Tyldesley, autora de um livro sobre a rainha, defende que Nefertiti era na verdade filha do alto funcionário Ay.
Ainda muito jovem Nefertiti foi desposada pelo príncipe Amenhotep, herdeiro do trono do Egito após a morte de seu irmão mais velho Tutmés, provavelmente num processo conduzido pela rainha Tiy, esposa do faraó reinante Amenhotep III e com muita influência no reinado deste. O casal teve seis filhas e nenhum herdeiro do sexo masculino.
Com o passar dos anos, e com o início do governo de seu esposo, Nefertiti foi ganhando cada vez mais importância, até ocupar um papel central dentro da nova política religiosa implantada por ele: por volta do sétimo ano de seu reinado, o faraó Amenhotep IV passou a cultuar um deus único, Aton (o disco solar), preterindo o culto às outras divindades. Alterou seu nome para Akhenaton (“Aquele que agrada a Aton”) e se mudou da capital Tebas com a corte para uma nova cidade construída em uma região desabitada, Akhetaton (“O horizonte de Aton”).
Nefertiti era representada junto ao marido nas cerimônias de culto a Aton, pois de acordo com a novo pensamento religioso somente o rei e a rainha poderiam cultuar diretamente a divindade celestial. Os demais fiéis somente chegariam a Aton através do culto a suas contrapartes terrestres, ou seja, Akhenaton e Nefertiti. Tal situação explica a proliferação de estelas privadas (nas residências) neste período representando a família real – inclusive em cenas cotidianas ligadas à intimidade da realeza e não somente em situações ligadas protocolarmente aos assuntos políticos e religiosos como era o costume até então.
Dentro desta nova concepção religiosa a rainha foi se tornando cada vez mais poderosa, aparecendo nas principais cerimônias ligadas ao culto oficial do faraó e realizando também as oferendas nos templos de Aton. Este crescimento do poder de Nefertiti pode ser atestado pelo aumento do tamanho de suas representações no decorrer do reinado de Akhenaton como podemos observar nas duas imagens abaixo:
Entretanto, por volta do décimo quinto ano do reinado de Akhenaton, as referências a Nefertiti desapareceram, a rainha não era mais citada. Com base nas fontes existentes ainda não há um consenso entre os egiptólogos para tal situação. Há algumas hipóteses que ainda estão sendo debatidas: a morte prematura da rainha, um rompimento de Akhenaton com o movimento religioso que ele mesmo iniciara e que causou o afastamento de Nefertiti e uma que vem ganhando força nos últimos anos, a de que no período final do reinado do marido a rainha teria sido sua co-regente, acumulando desta forma ainda mais poder, e após a morte de Akhenaton teria ela mesmo se tornado faraó.
Corrobora com esta última hipótese uma imagem encontrada em um bloco de pedra na cidade de Hermópolis Magna onde a rainha Nefertiti aparece em sua barca golpeando um inimigo com uma maça. Esta era uma imagem ritual reproduzida somente com a utilização da figura dos faraós e seu significado era demonstrar o poder que o rei possuía – dado pelos deuses – de destruir qualquer inimigo e manter a ordem no Egito.
Apesar de não haver certeza sobre o destino final da rainha Nefertiti, a descoberta de seu busto pelos arqueólogos, em 1912, trouxe à luz a imagem forte de uma soberana que marcou época, tornou-se uma deusa em vida para seu povo e cuja beleza – tão presente em seu próprio nome – é admirada ainda hoje.
Região onde se localiza uma parte da Síria atualmente.
Referências bibliográficas
GRALHA, Júlio. Deuses, faraós e o poder: legitimidade e imagem do deus dinástico e do monarca no antigo Egito. Rio de Janeiro: Barroso Produções Editoriais, 2002.
MELLA, Federico A. Arborio. O Egito dos faraós: história, civilização, cultura. São Paulo: Hemus, 1998.
NOBLECOURT, Christiane Desroches. A mulher no tempo dos faraós. Campinas: Papirus, 1994.
TYLDESLEY, Joyce. Chronicle of the queens of Egypt. Londres: Thames & Hudson, 2006
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