“Oscar Wilde: o esteta, o dândi, o escandaloso, o intelectual, o sedutor, o elegante, o exótico, o bizarro, o homossexual, muitas vezes atitudes excêntricas para afrontar a sociedade londrina do século XIX.” Dhora Costa
Foi no século XIX, que o vestuário passou a significar dissidência. A figura crucial nesta transformação foi o dândi. O dandismo estabeleceu padrões mais rígidos de masculinidade ao introduzir um traje novo, moderno e urbano. Também, apontava para o vestuário como forma de revolta.
O vestuário masculino do século XIX era uma adaptação do traje de campo e esportivo do séc. XVIII. Foi o dândi que o transformou em estilo dominante, impondo uma estética que se opunha ao exagero de rendas, brocados e pó-de-arroz dos aristocratas pré-Revolução Francesa. Para Beau Brummel, seu criador, o novo estilo significava nada de perfumes. O papel do dândi implicava numa preocupação com o eu e a apresentação pessoal; a imagem era tudo.
Muitas vezes não tinha profissão, nome de família (SNOB: sem nobreza) e, aparentemente nenhum meio de sustento econômico, mas acabou por criar o arquétipo do novo homem urbano. A sua dedicação a um ideal de vestuário que santificava a sutileza, inaugurou uma época que punha o tecido, o corte e a queda do traje à frente do adorno, opunha o clássico retilíneo à cor e ostentação do rebuscado traje barroco e rococó.
Tipo narcisista, não abandonou a busca da beleza, apenas modificou o tipo apreciado, criando um novo erotismo masculino, com calças muito apertadas e o rosto sem pintura. O novo estilo tornou-se possível pelo uso da lã e do algodão em vez das sedas finas e cetins da velha aristocracia. Os alfaiates ingleses foram os primeiros a aperfeiçoar as novas técnicas de costura para tais tecidos. Vem dai a tradição de alfaiataria como corte inglês para traje masculino.
Símbolo ambulante de erotismo, o dandismo foi adulterado e vulgarizou-se, no final do século XIX, ao ser diretamente associado à homossexualidade. Lorde Byron, seu maior divulgador, é considerado o responsável pela substituição das ceroulas pelas calças e fala-se que foi o primeiro a usar calças de jeans, que eram muito largas, brancas durante o dia e escuras para noite. O traje era complementado por um casaco preto de lã, um colete com abotoamento alto e uma gravata muito estreita de tafetá. Byron é tido como a primeira estrela pop da cultura inglesa.
No século XIX, Baudelaire, fascinado pelo dandismo, vestia-se de preto para protestar contra a vulgaridade do vestuário nos círculos boêmios franceses, encarava o dandismo como uma procura da perfeição, uma forma de espiritualidade e, também como uma reação social a aquela época transitória, quando a democracia ainda não estava toda poderosa, apesar da aristocracia estar parcialmente destronada e desvalorizada.
Assim como Balzac, Baudelaire considerava o dândi um rebelde desencantado que tentava criar uma nova aristocracia do gênio, ou pelo menos do talento, soberbo, sem calor e cheio de melancolia.
Wilson fala do dandismo como um movimento que para além da moda, se expressava como movimento de contracultura (1989: 243), tão contraditório quanto a sociedade que lhe deu origem, porque este período transitório do capitalismo é permanente, condenado a constantes mudanças, vomita repetidamente rebeldes ambíguos, cuja rebeldia nunca é uma revolução, pelo contrário apenas uma afirmação do eu e acima de tudo anti-burguês.
O estilo que o dândi inventou introduziu através do vestuário convencional masculino, a antimoda e também o estilo de oposição.
A antimoda é a elegância que nunca chama atenção, a simplicidade que Chanel reinterpretou para as mulheres no século XX. É a tentativa de encontrar um estilo sem época, de eliminar por completo o elemento de mudança na moda.
O dandismo também continha os germes do estilo de moda de oposição que tem por finalidade expressar a dissidência ou as idéias diferentes de um dado grupo, ou das opiniões hostis à maioria conformista.
Ao introduzirem o cabelo cortado à escovinha no início do séc. XIX, sem pó-de-arroz para ambos os sexos e gravatas largas com nó desleixado, um ar de beleza desmazelado sugeria uma mente ilustrada acima do vestuário.
O desmazelo tem sido usado para sugerir uma profissão de artista ou intelectual, e vigora até nossos dias, como vimos com os jeans, comprados muitas vezes já surrados e rasgados como foi o caso da geração de 68.
John Harvey (2001:197) em sua obra Homens de Preto, fala sobre o sentido de relacionar o uso do vestuário preto com o seu uso antigo, mais habitual, o luto, apesar de considerar estranha a relação entre o luto e a revolta.
Apesar de o preto não ter sido sempre a cor do luto, a especial ênfase no ritual do luto durante o século XIX, expressava tanto a seriedade profunda da sensibilidade evangélica vitoriana como a histeria generalizada dessa cultura. O exagero do luto de uma viúva demonstrava a riqueza do defunto patriarca. O luto profundo tinha a ver tanto com a reputação sexual como com as posses e propriedades de uma viúva, que em bom estado de amparo financeiro não precisaria de segundas núpcias.
O luto foi um negócio lucrativo no século XIX. Todas os magazines tinham seu departamento apropriado, onde as roupas podiam ser ajustadas na medida do cliente com muita rapidez. O luto só deixou de ser exigido após o período de penúria da Primeira Guerra. Hoje em dia, quase que desapareceu, na medida em que a cultura contemporânea fugiu da própria idéia da morte.
Como deixamos de usar o luto, o preto para os ocidentais passou a ser a cor da ira mais do que do desgosto. Seu uso associado aos uniformes fascistas passou a ter como carga simbólica a agressão. Foi também associada à revolta devido ao seu uso pelos anarquistas russos, porque segundo Wilson (1989: 253) o preto é uma cor dramática e faz apelo ao público de galeria como o traje de revolta deve sempre fazer.
Desde a Grécia antiga e, ainda confirmado pela cultura cristã, o preto fala da ausência de vida. Ligado à velhice, é elegante. Nos jovens, dá um aspecto assombroso e comovedor. É uma cor própria para o ambiente urbano.
O preto dândi era a cor da sobriedade burguesa. Foi subvertida, pervertida, tornou-se perigosa depois de ter sido erotizada pelo fascismo como uma completa filosofia da dominação, da crueldade e da irracionalidade.
Neste período os Estados Unidos também tinham sua boêmia ambientada em Greenwich Village, que era uma transplantação do submundo original dos homens de letras de Londres e Paris, um mundo de jovens jornalistas, escritores por encomenda, de artistas e desenhistas, cuja arte se dedicava ao efêmero, aos esboços e vinhetas da cena social corrente como vimos no personagem que encarna o pintor do filme Mary Poppins.
Os boêmios viviam à volta da Lower Broadway, nos anos de 1850, 60 e 70; por volta de 1900, tinham chegado a Greenwich Village, que era um centro de ebulição social, política e de estilos de vida experimentais das duas primeiras décadas do século XX. Lá, a sofisticação era o padrão erguido contra tudo o que era burguês.
Era a primeira cultura de juventude; nela as roupas que se vestiam tinham grande papel na participação do indivíduo de um grupo dentro de um grupo maior. Na Inglaterra, artistas e escritoras, com Virgínia Woolf, criavam o “vestuário estético” e, para fugir dos chifons eduardianos, recorriam ao mercado de roupas antigas e exóticas como moda de oposição que durou até fins dos anos 50 do século XX, como estilo alternativo de Chelsea, usado pelas estudantes de belas artes. Colecionavam saias grandes, com muitas cores, sandálias franciscanas e discos de Jazz.
A autora, Queila Ferraz Monteiro é estudiosa de História da Moda, é consultora de design e gestão industrial para confecção e Professora de História da Indumentária e Tecnologia da Confecção dos cursos de moda em diversas Faculdades. Queila também é professora de pós-graduação em Universidades como o Senac.
Nenhum comentário:
Postar um comentário